Expedia Team, em November 30, 2016

Koyasan: dormindo com os monges

Não tem como pensar no Japão e não pensar em seus belos templos e santuários espalhados pelo país. Para mergulhar um pouco na tradição milenar japonesa, uma boa opção é pernoitar em um templo. Há vários no país que possibilitam acomodações para peregrinos, mas Koyasan, ou Monte Koya, é o mais conhecido deles entre os turistas e o mais prático para quem não arrisca nada no idioma japonês. A comunicação em inglês é totalmente possível, inclusive com os monges. Koyasan oferece um bom retiro espiritual e é um ótimo lugar para relaxar e desligar. Fica em Wakayama, ao sul de Osaka.

Os Persson (Lalai e Ola) jantando no Japão
Os Persson (Lalai e Ola) jantando no Japão

Chegar lá é uma odisséia. Partimos de Quioto e nossa viagem, que durou cerca de cinco horas, contou com um metrô, três trens (mais um por erro de rota, ou seja, quatro), um funicular e um ônibus. A dica de ouro é: na estação principal em que estiver (Quioto ou Osaka, no nosso caso), procure um locker e deixe a mala lá. Leve apenas roupa para o tempo que ficará em Koyasan, que geralmente não ultrapassa dois dias. É possível deixar objetos trancados em um locker por até 48 horas e o valor de um grande custa em torno de US$ 20 pelo período.

Koyasan fica num vale a 800m de altitude alcançado pelo funicular em apenas 10 minutos. Mas antes de chegar em Gokurakubashi, a estação onde começa a subida para Koyasan, a viagem de trem percorre lentamente, por cerca de uma hora, pequenos vilarejos seculares cercados por montanhas. Alguns trechos, que contam apenas com um trilho, são cercados por florestas de árvores altas. A viagem é linda e já nos tira do excesso de informação que temos em cidades como Tóquio, Quioto e Osaka. É colar na janelinha e apreciar a paisagem em torno.

Trem que leva para-Koyasan (Foto: Ola Persson)
Trem que leva para-Koyasan (Foto: Ola Persson)

A história de Koyasan começou há 1200 anos, quando Kobo Daishi (ou Kukai) introduziu no ano 805 o Budismo Shingon (linha esotérica com influência chinesa) e escolheu o vale para espalhar seus ensinamentos. Kobo Daishi é uma das figuras mais importantes e reverenciadas do Japão. Hoje Koaysan abriga, inclusive, uma universidade dedicada aos estudos do Budismo e é o principal centro de estudos desta linha budista.

São 117 templos com 52 deles funcionando como “shukubo”, que são os que oferecem hospedagem. Koyasan se transformou num hit após ter sido, em 2004, declarado Patrimônio da Humanidade pela UNESCO. A população é de apenas 3.000 pessoas, a maior parte monges, que tem permissão para se casar, ter filhos e até comer carne, mas por lá a prática mesmo é o vegetarianismo.

Depois do frenesi de uma cidade como Tóquio, Koyasan foi um refúgio perfeito para colocar a mente nos eixos, comer bem, caminhar sem pressa e não ter tanta informação ao redor. E lá não é apenas um lugar de fuga para turistas, que querem cuidar da alma, mas também onde peregrinos japoneses costumam seguir.

Templo Kumagaijin (Ola Persson)
Templo Kumagaijin (Ola Persson)

Um templo para chamar de nosso

Nós escolhemos nos hospedar no Kumagaiji, um templo de arquitetura clássica japonesa construído no ano 837. O clima de paz já chega logo que se atravessa o portão do templo. Me arrependi por ter fechado apenas uma noite, pois seria bom andar por mais um dia nas nuvens. Os sapatos não passam da entrada. Lá dentro só os chinelos providos pelo próprio templo ou, como nós preferimos, descalços.

Fomos recebidos calorosamente pela Yuko, que discorreu com reverência sobre Kobo Daishi e a história de Koyasan. Depois fez um tour por toda a estrutura do lodging. Explicou detalhadamente o funcionamento do lugar, horários, refeições, banho (compartilhado) num onsen (estilo típico japonês de hot spring ou banho público).

Jantar típico (Foto: Ola Persson)
Jantar típico (Foto: Ola Persson)

O Kumagaiji é dividido em duas áreas: a de hospedagem e o templo propriamente dito. Há uma grande casa, onde ficam os quartos espalhados em dois andares. É lá tem também uma sala de convivência, banheiros, chuveiros e os onsen (uma casinha de banho). Tem até uma lojinha com itens relacionados ao Budismo e ao templo e, adivinhem? Wi-fi! O quarto tem até uma TV pequena disponível, mas não fomos ao templo para assistir televisão, não é?

O Kumagaiji tem também um belíssimo jardim super bem cuidado, um pequeno lago cheio de carpas e, finalmente, o templo onde são feitas as cerimônias.

Como funciona

Os horários são rígidos, afinal estamos num templo em funcionamento. É quase desesperador no início, mas logo você se acostuma com a rotina regrada dos monges. O check-in acontece entre às 15h e 17h. Inclusive é necessário avisar caso chegue mais tarde, mas já vai se preparando porque ficará sem o jantar, que é servido às 17h30 no próprio quarto. As portas do templo fecham às 21h, ou seja, neste horário é necessário estar por lá; banho no onsen é das 19 às 22h; a cerimônia começa às 6h30 da manhã e tem duração de 1 hora e o café da manhã é servido na sequência da cerimônia, às 7h30. O check-out às 9h.

Cemitério (Foto: Ola Persson)
Cemitério (Foto: Ola Persson)

A cozinha é vegetariana, saborosa e servida simpaticamente pelos monges. São eles também que arrumam nossa cama, um futon fininho com travesseiros (duros) recheados de sementes que são colocados no meio do tatame. São fornecidas toalhas e um kimono para cada pessoa.

O nosso jantar foi servido por um monge pontualmente às 17h30. A qualidade, além da quantidade, também nos surpreendeu. Arroz, muito tofu (e que tofu!), legumes, algas, tortinhas e a adaptação ocidental era um avocado com queijo delicioso e o único prato gordinho do menu. Para acompanhar, o habitual chá quente, que dizem ser o segredo por comer tanto e não engordar. E, claro, come-se ajoelhado no tatame com os pratos servidos em pequenas bandejas numa mesa baixíssima.

Após o jantar, que durou cerca de uma hora, fizemos um dos passeios mais populares de Koyasan: uma visita noturna ao maior cemitério do Japão, o Okunoin, construído em 816. Por lá repousam 200 mil almas, muitas de monges, líderes, mas também de crianças e pessoas comuns e até monumentos construídos por marcas japonesas. De acordo com a tradição, as almas por ali estão à espera da chegada de Miroku, Buda do Futuro, o que dá um clima gótico ao passeio.

O nosso passeio durou 1h30 e voltamos ao templo a tempo o nosso primeiro banho num onsen.

No onsen não é permitida a entrada de pessoas tatuadas, a não ser que ela seja muito discreta e passe quase imperceptível. São deixadas duas toalhas na entrada: uma pequena e uma grande. Sem saber exatamente como funciona, eu tirei toda a roupa e larguei-a numa cestinha, pois a única coisa que lembrava das explicações da Yuko, é que fica-se completamente nua. Peguei a toalha pequena sem saber exatamente o que fazer com ela e acabei não fazendo nada. Descobri posteriormente que ela serve como bucha. Entrei na outra sala e vi vários banquinhos, uma pequena bacia de madeira, e fiquei me perguntando o que eu tinha que fazer. Segui o instinto, fui lá, sentei no banquinho, mas larguei a bacia de lado. Tomei o banho e me joguei na banheira, que estava com a água com temperatura beirando os 40ºC. É isso mesmo, todo mundo pelado, quietinha lá dentro curtindo a água quente e relaxando. Pronto!

Dormi um pouco tensa em perder o horário da cerimônia e perdi. Acordei às 6h, enrolei e às 6h28, mas às 6h30 o portão do templo estava fechado. Às 7h30 foi servido no quarto o café da manhã super “foto de instagram”. Mas aí você, chata de galocha na hora de comer, abre cada potinho e vê o típico café da manhã asiático: missô, arroz, muitos legumes e docinho. Ok, eu não estava preparada para comer arroz e tomar sopa no café, mas encarei e comi até as algas.

Hora de ir embora! Às 9h fiz o check-out obrigatório mais cedo da história da minha vida.

O contato com os monges acaba sendo bem restrito. A experiência é muito mais relacionada ao dia-a-dia e à disciplina rígida seguida por eles. A experiência valeu muito a pena. É um plano de fuga bem especial para lavar um pouquinho a alma e se encantar com um estilo de vida bem distante do nosso.

O cemitério à noite (Foto: Ola Persson)
O cemitério à noite (Foto: Ola Persson)

Como ir

É necessário chegar em Osaka, de onde saem trens diretamente para Gokurakubashi. Esse trecho da viagem dura cerca de 2 horas. O JR não cobre essa região, então caso tenha o rail pass, ele poderá ser usado até chegar em Osaka. Na estação de onde parte o trem para Koyasan há venda de bilhete por 2.800 ienes (US$ 28), que inclui ida e volta de trem, funicular e 24 horas de uso de ônibus na cidade. Vale bastante a pena.

O jeito mais fácil para fazer a reserva num shukubo é via Japanican ou consultar o site oficial da cidade. O valor da hospedagem varia bastante. A nossa foi US$ 100 por pessoa, incluindo jantar e café da manhã.